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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Desejos passados a limpo

Passado algum tempo passando a ferro pilhas de camisas de gola, começou a passar em sua cabeça algumas teorias sobre o que era desejar e não ter.
Naquele mesmo instante desejava muito não ter que passar as camisas de gola, mas também as queria passadas sem ter que contratar alguém para a função. 
Contraditório, não? 
Conseguiu assim perceber a oposição da qual são feitos todos os desejos e lembrou da camarada Meirelles em sua genial e disfarçadamente inocente obra " Ou isto ou aquilo". 
Sua mente compulsiva, um pouco cansada das pilhas de camisas goladas, evocou ainda o provérbio tão clichê que ensina física sentimental ao relatar a impossibilidade de 2 proveitos ocuparem um mesmo saco. 
Ah! Porque não, né? 
Se cada ser humano é dotado usualmente de 5 sentidos não havia sentido algum não tirar proveito e prazer de cada um deles. 
Desejosos que somos, tentamos sempre usufruir de todos numa mesma empreitada desejosa. 
Seria essa a origem dos desejos proibidos: o não parcelamento dos sentidos? 
Metaforicamente pensou sobre o bolo de chocolate que gostaria de comer e não podia. 
Será que uma cheiradinha resolveria o desejo? Uma forma nova de resolver a compulsão, bem verdade, mas sem deixar de ocupar o cargo de solução. 
Seria melhor assumí-lo como seu demônio pessoal e enfrentá-lo de forma bélica? Outro desfecho fora do convencional, porém igualmente útil. Exterminar o desejo é um modo de não mais desejá-lo. E se desejar, desculpe, mas ele não estará mais lá. 
Considerou passar a mão por todo o bolo e ao invés de ter sua textura na língua, a teria nas mãos. Bem, uma ótima resposta à questão inicial. Seguindo por essa direção, carinhosamente esmigalharia o doce entre os dedos até que nada mais sobrasse para ser cobiçado posteriormente pela gula. E numa sequência quase poética, quem sabe esfregá-lo por todo o corpo e sujar-se como nos velhos tempos onde roupas limpas eram mera questão de minutos...
Outra belíssima opção seria a contemplação da tentação por horas a fio. Tê-la tão perto: quanta satisfação!
Mais uma possibilidade: doar o bolo desejado ao grupo de crianças que brincava na rua. Com toda a certeza extirpariam sua cobiça em poucos segundos. De modo convencional, claro. 
Melhor ainda se o vendesse na pracinha, obtendo assim algum lucro. Está aí uma bela parceria entre desejo e desejador. 
A pilha de camisas de gola havia diminuído bem, mas estava longe de acabar. Percebeu que suas distrações a fizeram queimar algumas delas. 
Desejou não ter feito isso. 
Desejava muito e o tempo todo, concluiu. 
Havia contudo, passado a limpo (ou ao menos divagado a respeito) a existência dos desejos que não podem tomar forma e acabam por se transformar em tentações. 
Ora! Se transformar é tomar uma nova forma, admitir somente a  forma convencional da realização desejos é o que os condenam ao hall de desejos não possíveis. 
Pensou melhor e rapidamente decidiu cortar fora as golas de algumas camisas queimadas pelo ferro de passar. 
Dar-lhes nova forma resolveria a tristeza, a frustração e o ônus de próximas passagens de roupa. 

4 comentários:

julieporto disse...

tão bonito como vc faz um jogo de montar com as palavras e as idéias. ler o seu texto é como olhar arquitetura. falei ao poeta sobre isso outro dia. te amo, bjs

DaniZide disse...

Talvez eu seja arquiteta de palavras... te amo!

Pedro Vincenzo disse...

Dani minha querida! Fico pensando em quão bom é ser dono do próprio tempo! Que lindo texto, ficou um gostinho de "quero mais" Beijos Rita.

DaniZide disse...

Rita amada, que bom vê-la por aqui. Bem, já que quer mais... diga ao povo que faço! bjs